GOIABADA
By . Lucinéia Nunes
Não é marmelada. O Paladar dedica sua edição de número 300 a um dos doces brasileiros mais antigos e populares, que nasceu para aplacar o desejo dos portugueses de comer doce de marmelo. Lisas, cremosas, de corte, em vidro, lata ou caixeta, fizemos o ‘sacrifício’ de provar 25 das melhores goiabadas encontradas no País e selecionar 10. Sozinhas e acompanhadas.
Goiabada pode ser lisinha, cremosa ou pedaçuda. Na lata, no vidro, na caixeta de madeira, embrulhada em folha de bananeira ou no celofane. Para comer às colheradas ou cortada em fatias. Só não pode ter açúcar demais - nem água de menos. Incontestável mesmo é que goiabada boa só se consegue usando goiaba boa, madura e perfumada.
As de polpa vermelha, conhecidas como paluma e século 21, estão entre as melhores para a fabricação do doce - o Brasil produz quase 300 mil toneladas por ano. "São frutos grandes, com casca lisa e amarela. Quando maduros, têm polpa vermelha intensa, firme e espessa, com acidez equilibrada e poucas sementes", diz o pesquisador José Emilio Bettiol Neto, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Para virar doce, a fruta tem de estar madura, mas ainda firme para aguentar o longo tempo no fogo, apurando lentamente. Não adianta esperar que a fruta melhore no doce. O resto é técnica.
Goiabadeiras de todo o Brasil sabem disso e cada uma defende a própria receita, sempre apurada em boas histórias. As de Ponte Nova, Minas Gerais, estão entre as mais conhecidas. Lá, reinam as de colher, mais pastosas. Em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, também em Minas, predomina a goiabada de cortar - celebrada com festa, ganhou até selo de Patrimônio Imaterial.
Nesta edição, o Paladar apresenta algumas das melhores goiabadeiras do País. Fizemos um sacrifício danado e provamos 25 goiabadas (veja ao fim desta página um quadro com algumas das nossas escolhas). Cremosas e de corte. Vindas de Minas, do interior de São Paulo e do Rio. Puras e acompanhadas.
***
NOSSAS SENHORAS DO TACHO
Mexer sem parar até dar o pontoQuando aprendeu a fazer goiabada, Nelsa Trombino era muito moça. Tinha acabado de casar e morava numa fazenda em Minas. Esperava os empregados chegarem com a carroça carregada de fruta para começar a produção. Hoje, aos 73 anos, dona Nelsa tem a ajuda de quatro doceiras para fazer mais de 20 quilos de goiabada por semana, vendidos na loja de seu restaurante, o Xapuri, em Belo Horizonte. Faz a cremosa, que vem no vidro, e a cascão de corte, embalada em caixa de madeira.
Costuma usar goiabas como a paluma e segue uma proporção de 1 quilo de massa (incluindo a casca e a polpa) para meio quilo de açúcar. Separa a polpa, ferve e passa na peneira. Na panela de cobre, junta a casca, a polpa e o açúcar. Cozinha em fogo baixo, no fogão a lenha. "Tem de mexer sem parar, até dar o ponto", ensina a cozinheira, que leva três horas para fazer um tacho com 20 quilos.
E como saber o ponto? Depende da apuração desejada. Quanto mais tempo no fogo, mais dura e escura fica.
'Esterilizar' no sol e no serenoGoiaba boa? Só a caipira, colhida direto do pé, no ponto certo. "A do mercado dá uma goiabada arenosa, escura. Não tem o mesmo sabor", diz Creuza Ferreira Duarte de Melo, goiabadeira da Fazenda Calciolândia, em Arcos, Minas Gerais, há 35 anos.
Ela acompanha de perto a colheita da tal goiaba caipira "quase" madura, para que não desmanche completamente no tacho de cobre e restem, entremeados no doce, pedaços da fruta. Creuza já fez experiências até com goiaba branca. E gostou. Fica mais amarelada, como marmelada. O ideal, diz, é misturar uma parte da branca para duas da vermelha. "Fica bom do mesmo jeito", garante.
Tem uma receita com mais açúcar e outra com menos. As duas resultam numa barra densa e de cor acentuada, mexidas no tacho por mais de duas horas. A tradicional leva 15 quilos de casca de goiaba limpa, 5 de açúcar e 1 de polpa bem peneirada. A menos doce tem 12 quilos da fruta, 2 de açúcar e meio de polpa. De resto, é só paciência para mexer o doce no fogão a lenha com pá de madeira.
"Se começar a queimar, é só tirar a panela do fogo, passar o doce para outro recipiente, lavar o tacho e voltar a goiabada para terminar o cozimento", ensina Creuza. Se passar do ponto e endurecer demais, basta voltá-la ao fogo baixo com um pouco de polpa ou água.
A colheita deste ano rendeu 219 quilos de goiabada, distribuída em caixetas de madeira forradas com papel manteiga. Não é vendida, e sim feita apenas para a família consumir e presentear amigos. De tão boa, o mais provável é que não dure muito. Mas resiste até um ano graças a uma técnica antiga da fazenda: Creuza "esteriliza" o doce por dois ou três dias, expondo ao ar livre, sob o sol e o sereno.
Receita tem seis décadasVinham de um goiabal familiar na Usina Jatiboca, em Minas Gerais, os frutos caipiras usados no fabrico do Doce daLata. Com a extinção da plantação, foram substituídas pela paluma. Mas a goiabada da marca mineira continua cremosa e com pedaços da fruta.
A empresária mineira Sônia Martins, do Doce daLata, segue à risca a receita de família repetida há mais de 60 anos. Usa 1 quilo de fruta para meio de açúcar cristal. Descasca a fruta e tira as sementinhas. Depois "refina" o açúcar cristal, levando-o à panela com água até obter uma calda. Para finalizar, põe suco de limão para dar brilho à goiabada.
O doce é vendido em latas vermelhas de 1 quilo. Sônia não tem loja nem aceita que a goiabada seja comercializada por terceiros. Ainda assim, só com a primeira safra de goiabas do ano, produz mais de 3 mil latas.
De presente a bom negócioFoi para agradar aos patrões que Nelma Lúcia Moreira de Souza fez goiabada pela primeira vez, há 30 anos, na Fazenda Querença, no interior de Minas. Seguindo a receita da mãe, usou duas partes da fruta para uma de açúcar. O doce fez tanto sucesso que teve de ser repetido inúmeras vezes. Virou um regalo para a família e os amigos. Mas os pedidos aumentaram tanto que a produção de goiabada virou um negócio sob supervisão da Nelma. Durante o período da safra, ela usa a goiaba caipira da fazenda. Nos outros meses, tem fornecedores que cultivam a fruta na região. Diariamente, Nelma e sua equipe fazem de três a quatro tachadas de goiabada artesanalmente no fogão a lenha, além de doces de outras frutas. Cada tacho rende, em média, 30 latas de 750 g.
Goiabada pode ser lisinha, cremosa ou pedaçuda. Na lata, no vidro, na caixeta de madeira, embrulhada em folha de bananeira ou no celofane. Para comer às colheradas ou cortada em fatias. Só não pode ter açúcar demais - nem água de menos. Incontestável mesmo é que goiabada boa só se consegue usando goiaba boa, madura e perfumada.
As de polpa vermelha, conhecidas como paluma e século 21, estão entre as melhores para a fabricação do doce - o Brasil produz quase 300 mil toneladas por ano. "São frutos grandes, com casca lisa e amarela. Quando maduros, têm polpa vermelha intensa, firme e espessa, com acidez equilibrada e poucas sementes", diz o pesquisador José Emilio Bettiol Neto, do Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Para virar doce, a fruta tem de estar madura, mas ainda firme para aguentar o longo tempo no fogo, apurando lentamente. Não adianta esperar que a fruta melhore no doce. O resto é técnica.
Goiabadeiras de todo o Brasil sabem disso e cada uma defende a própria receita, sempre apurada em boas histórias. As de Ponte Nova, Minas Gerais, estão entre as mais conhecidas. Lá, reinam as de colher, mais pastosas. Em São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, também em Minas, predomina a goiabada de cortar - celebrada com festa, ganhou até selo de Patrimônio Imaterial.
Nesta edição, o Paladar apresenta algumas das melhores goiabadeiras do País. Fizemos um sacrifício danado e provamos 25 goiabadas (veja ao fim desta página um quadro com algumas das nossas escolhas). Cremosas e de corte. Vindas de Minas, do interior de São Paulo e do Rio. Puras e acompanhadas.
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NOSSAS SENHORAS DO TACHO
Mexer sem parar até dar o pontoQuando aprendeu a fazer goiabada, Nelsa Trombino era muito moça. Tinha acabado de casar e morava numa fazenda em Minas. Esperava os empregados chegarem com a carroça carregada de fruta para começar a produção. Hoje, aos 73 anos, dona Nelsa tem a ajuda de quatro doceiras para fazer mais de 20 quilos de goiabada por semana, vendidos na loja de seu restaurante, o Xapuri, em Belo Horizonte. Faz a cremosa, que vem no vidro, e a cascão de corte, embalada em caixa de madeira.
Costuma usar goiabas como a paluma e segue uma proporção de 1 quilo de massa (incluindo a casca e a polpa) para meio quilo de açúcar. Separa a polpa, ferve e passa na peneira. Na panela de cobre, junta a casca, a polpa e o açúcar. Cozinha em fogo baixo, no fogão a lenha. "Tem de mexer sem parar, até dar o ponto", ensina a cozinheira, que leva três horas para fazer um tacho com 20 quilos.
E como saber o ponto? Depende da apuração desejada. Quanto mais tempo no fogo, mais dura e escura fica.
'Esterilizar' no sol e no serenoGoiaba boa? Só a caipira, colhida direto do pé, no ponto certo. "A do mercado dá uma goiabada arenosa, escura. Não tem o mesmo sabor", diz Creuza Ferreira Duarte de Melo, goiabadeira da Fazenda Calciolândia, em Arcos, Minas Gerais, há 35 anos.
Ela acompanha de perto a colheita da tal goiaba caipira "quase" madura, para que não desmanche completamente no tacho de cobre e restem, entremeados no doce, pedaços da fruta. Creuza já fez experiências até com goiaba branca. E gostou. Fica mais amarelada, como marmelada. O ideal, diz, é misturar uma parte da branca para duas da vermelha. "Fica bom do mesmo jeito", garante.
Tem uma receita com mais açúcar e outra com menos. As duas resultam numa barra densa e de cor acentuada, mexidas no tacho por mais de duas horas. A tradicional leva 15 quilos de casca de goiaba limpa, 5 de açúcar e 1 de polpa bem peneirada. A menos doce tem 12 quilos da fruta, 2 de açúcar e meio de polpa. De resto, é só paciência para mexer o doce no fogão a lenha com pá de madeira.
"Se começar a queimar, é só tirar a panela do fogo, passar o doce para outro recipiente, lavar o tacho e voltar a goiabada para terminar o cozimento", ensina Creuza. Se passar do ponto e endurecer demais, basta voltá-la ao fogo baixo com um pouco de polpa ou água.
A colheita deste ano rendeu 219 quilos de goiabada, distribuída em caixetas de madeira forradas com papel manteiga. Não é vendida, e sim feita apenas para a família consumir e presentear amigos. De tão boa, o mais provável é que não dure muito. Mas resiste até um ano graças a uma técnica antiga da fazenda: Creuza "esteriliza" o doce por dois ou três dias, expondo ao ar livre, sob o sol e o sereno.
Receita tem seis décadasVinham de um goiabal familiar na Usina Jatiboca, em Minas Gerais, os frutos caipiras usados no fabrico do Doce daLata. Com a extinção da plantação, foram substituídas pela paluma. Mas a goiabada da marca mineira continua cremosa e com pedaços da fruta.
A empresária mineira Sônia Martins, do Doce daLata, segue à risca a receita de família repetida há mais de 60 anos. Usa 1 quilo de fruta para meio de açúcar cristal. Descasca a fruta e tira as sementinhas. Depois "refina" o açúcar cristal, levando-o à panela com água até obter uma calda. Para finalizar, põe suco de limão para dar brilho à goiabada.
O doce é vendido em latas vermelhas de 1 quilo. Sônia não tem loja nem aceita que a goiabada seja comercializada por terceiros. Ainda assim, só com a primeira safra de goiabas do ano, produz mais de 3 mil latas.
De presente a bom negócioFoi para agradar aos patrões que Nelma Lúcia Moreira de Souza fez goiabada pela primeira vez, há 30 anos, na Fazenda Querença, no interior de Minas. Seguindo a receita da mãe, usou duas partes da fruta para uma de açúcar. O doce fez tanto sucesso que teve de ser repetido inúmeras vezes. Virou um regalo para a família e os amigos. Mas os pedidos aumentaram tanto que a produção de goiabada virou um negócio sob supervisão da Nelma. Durante o período da safra, ela usa a goiaba caipira da fazenda. Nos outros meses, tem fornecedores que cultivam a fruta na região. Diariamente, Nelma e sua equipe fazem de três a quatro tachadas de goiabada artesanalmente no fogão a lenha, além de doces de outras frutas. Cada tacho rende, em média, 30 latas de 750 g.
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