Enquanto os Estados Unidos viviam as primeiras confusões envolvendo gangues de motociclistas, registradas magistralmente por Hollywood no filme O Selvagem (1953), com Marlon Brando, ingleses e outros europeus ainda estavam por criar seu próprio jeito bandido de andar sobre duas rodas. Ao contrário dos ianques, que curtiam motos volumosas ao estilo das Harley-Davidson e Indians, os britânicos viveram desde cedo a onda das esportivas. As marcas variavam entre Yamaha, Honda ou Ducati. Alguém pode lembrar da Triumph, que viveu seus tempos de glória naquela época. Porém, antes do predomínio das japonesas, os interessados em voar baixo em duas rodas preferiam as inglesas da Norton, Vincent, BSA e Matchless.
Em comum com a moda das norteamericanas estava a vontade de ter uma moto bem diferente das que saíam das fábricas. A fixação dos europeus era alimentada principalmente pelos Grand Prix. As esportivas bretãs eram as mais acessíveis. E facilmente modificáveis. Lá estão os semiguidões fixados nas bengalas da suspensão dianteira, estilo Tomaselli, com pedaleiras recuadas, tudo para aquela pilotagem encarquilhada sobre o tanque de combustível longo e baixo, com encaixe bem definido para os joelhos. Tal como a posição, o ajuste de suspensão é pensado para o desempenho.
Outros detalhes também seguiam mais estilo do que funcionalidade, exemplo dos retrovisores espetados nas extremidades das manoplas. Enquanto isso, o banco era protuberante na traseira e fazia as vezes de rabeta – afinal, embora as garupas tenham o seu valor, o lance era imitar um monoposto de competição.
Não se trata apenas de personalizar a moto. A intervenção é pesada e envolve até transplantes. Nos anos 60, já se sabia que a ciclística da Norton era impecável. A marca havia inventado o leve quadro featherbed (ou colchão de plumas) com braço de suspensão pivotante integrado. Criado pelos irmãos Rex e Cromie McCandless, de Belfast, o quadro era tão revolucionário que é produzido desde 1949 e até hoje é muitíssimo procurado pelos customizadores.
Para aqueles corredores de rua, o problema era o motor bicilíndrico da Norton ser dos mais potentes, porém pouco resistente. O jeito era substituir aquele twin por outro da rival Triumph. A junção de peças de criaturas diferentes gerou até uma brincadeira com o nome: Triton (Triumph com Norton). Outras geraram a mesma corruptela de nomes. Caso das Tribsa, mistura de motor Triumph e quadro BSA. Sem falar nas Norvin, que pegavam emprestada a ciclística elogiada das Norton e inseriam o motor V2 998 cm³ das Vincent Black Shadow, famosas pela velocidade máxima de 201 km/h já em 1948.
Há quem faça uma ponte Atlântico Norte, unindo o quadro Norton aos também dois cilindros em V da Harley, de preferência os menores da série 883R Sportster. Nessa onda de unir as iniciais do fabricante do quadro ao nome do produtor do motor, a criatura foi batizada de Norley. A moda logo se espalhou pela Europa. Os alemães também preparavam suas BMW boxer ao estilo. Aliás, as primeiras a aproveitar de fato a moda de série foram as marcas italianas. Nada mais justo, já que os fabricantes de lá dominavam as pistas há tempos.
Café na estrada
Então está explicado o nome racer, inspirado nas corridas. Mas de onde veio o café? Tem a ver com os lugares onde a bebida era vendida. Os cafés não eram exatamente cafeterias como as de hoje, e sim lanchonetes de beira de estrada. Eram ponto de partida e chegada das corridas.
Há tempos que as customizações à americana ganharam adeptos no Brasil, com suas particularidades. Uma delas é a vontade de não remar na mesma corrente que os outros. Agora, as café racer ganham espaço. “Esse mercado das choppers e bobbers já estava meio saturado, e esses consumidores viram nas café racers uma oportunidade interessante”, garante Ricardo Medrano, designer da customizadora Johnnie Wash, de São Paulo.
Por aqui, a moda investe pesado nos modelos japoneses, e os que fizeram sucesso nos anos 60 e 70 são os preferidos. As Honda four são as queridinhas. Uma delas, CB550, ganhou as cores da antiga patrocinadora Martini, pintura que marcou todo o período. A moda não exclui ninguém. Alguns projetos são inspirados nas Harley-Davidson, em geral no modelo menor 883R Sportster e também na maior Dyna.
Quem quer algo mais de raiz tem outro modelo atual de série para escolher como base: a britânica Triumph Bonneville T100, modelo retrô montado em Manaus. A motorização raramente chega a ser muito fuçada, diz Ricardo. O bicilíndrico 865 cm³ da Triumph basta para 65 cv. Não quer dizer que as motos não sejam muito alteradas. “Preservamos o máximo da mecânica, e sem misturar componentes de vários fabricantes. Motor e câmbio são pouco mexidos. O que muda mesmo são rodas, freios e suspensão, principalmente a dianteira”, diz Medrano.
Aperfeiçoamentos são comuns: o carburador da 750 dos anos 70 pode ser trocado pelo das 750f nacionais das décadas de 80 e 90, mais eficiente e fácil de ajustar, peça antiga com desempenho melhor. A onda chegou ao mercado: a Triumph comercializa no exterior uma café racer praticamente pronta, a Thruxton (na foto acima), mesmo nome de um famoso circuito de corrida nos anos 60. Por aqui, a saída é fazer por conta própria, e o custo é alto. Pelo uso de peças e horas de trabalho, o valor começa em R$ 10 mil. Mas não se deixe desanimar: qualquer moto pode virar uma café racer, até uma 250 usada. Pôr a mão na massa vai dar aquele toque ainda mais estiloso.
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